Enfermeira tem parto de sua bebê em casa com medo de contaminação

"Fiz parto em casa com medo de meu bebê ser contaminado pelo coronavírus"

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Flávia Jacob Fotografia
Bárbara Therrie
Colaboração para VivaBem
19/04/2020 04h00
A enfermeira obstetra Camila Siqueira Souza, 32, estava no oitavo mês de gestação quando o Brasil teve que adotar o isolamento social por causa do novo coronavírus (Sars-CoV-2). Com uma filha de um ano, e o marido fisioterapeuta com atendimento a pacientes confirmados com a doença, Camila ficou muito assustada com a pandemia. Ela já tinha fechado o contrato do parto hospitalar quando o número de casos começou a crescer. Nesse depoimento, ela conta que o medo de o bebê ser contaminado na maternidade a fez optar pelo parto domiciliar.
"A minha primeira filha, a Maria Luiza, tinha sete meses quando eu engravidei do Mateus. A gestação foi saudável, só cansativa pelo fato de ter uma filha pequena para cuidar. Assim como o parto da Malu, que foi normal e no hospital, tinha os mesmos planos para o Mateus.
Sou enfermeira e, com três meses de gravidez, fiz um curso de enfermeira obstetra na Commadre, um espaço voltado para gestantes e mães. Ao conversar com as profissionais de lá, surgiu a ideia de contratar uma equipe para acompanhar e fazer o meu parto no hospital, diferente do parto da Malu que tinha sido com o plantonista.
Em fevereiro, com sete meses de gestação e com o primeiro caso de coronavírus confirmado no Brasil, eu fechei o contrato hospitalar com as meninas da Commadre.

Sugeri ao meu marido sair de casa durante a pandemia

Com o aparecimento de mais casos, fiquei muito preocupada e dei uma surtada, pois meu marido, o Ricardo, é fisioterapeuta e atendia pacientes diagnosticados com a doença. Tinha muito medo de ele ser infectado e transmitir o vírus para mim, para o bebê e para a nossa filha.
Cheguei a sugerir de nos separarmos de casa até passar a pandemia. Ficaria em casa com a Malu e ele iria para a casa da mãe dele.
Naquele momento, imaginei que o afastamento dele seria ainda mais necessário depois que o Mateus nascesse por ser um recém-nascido e não ter todas as vacinas completas.
Ele ficou chateado, mas disse que me entendia. Me acalmei e percebi que nós poderíamos lidar com a situação juntos e tomando todos as precauções. Ao chegar em casa, ele deixava o calçado do lado de fora, colocava o uniforme dentro da máquina de lavar e lavava as mãos com água e sabão com frequência.
Em termos de preparativos, o coronavírus não atingiu tanto minha gravidez, porque já estava na reta final e tinha feito bastante coisa. Já tinha montado o enxoval e feito o chá de bebê antes das recomendações de isolamento social.
Comprei apenas alguns itens de higiene e de vestuário que estavam faltando pela internet.
Aos poucos, nossa rotina começou a mudar. Não levava a Malu mais ao shopping, ao parque, nem na casa dos avós. Só saía para ir ao mercado, para fazer ultrassom e para ir nas consultas do pré-natal, procurando sempre ir nos horários com menos pessoas. Ia com máscara, levava álcool em gel na bolsa. Ao chegar em casa, já tomava banho e colocava a roupa para lavar.
Em fevereiro, fiz minha última consulta com o obstetra do plano de saúde. Como o consultório dele ficava dentro do hospital, queria evitar me expor a esse tipo de local. No início de março, comecei a passar com as enfermeiras obstetras da Commadre, cujo espaço funciona em uma casa.
Durante os encontros, as meninas me incentivavam a ter um parto domiciliar, diziam que eu tinha perfil para esse tipo de experiência, por ter tido um primeiro parto normal tranquilo e pela minha atual gestação ser saudável.
Já tinha lido e estudado bastante sobre o parto em casa, era uma ideia que me atraía, principalmente por ser no meu ambiente de escolha e pela possibilidade de os meus pais e da minha filha participarem desse momento.
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Flávio Jacob Fotografia

Sem visitas na maternidade

Quando entrei no oitavo mês de gestação, o número de casos de covid-19 aumentou, fiquei com mais medo e busquei informações na maternidade em que eu ia ganhar o Mateus. Não seriam permitidas visitas, somente acompanhante.
Dessa forma, teria que ficar longe da Malu durante a internação. Outra questão é que não aceitariam a equipe externa que eu havia contratado, somente os profissionais do hospital. Não poderia ter fotógrafo —o que pode parecer supérfluo—, mas pelo fato de o parto ser um acontecimento único seria importante.
Além disso, fiquei receosa de serem realizados alguns procedimentos de rotina na maternidade por causa do coronavírus. Como por exemplo, o bebê ter que tomar banho imediatamente após o parto para evitar o risco de contaminação antes de vir para o meu colo.
Fazer o corte do cordão umbilical logo após o parto, sem esperar que o cordão parasse de pulsar. Outra preocupação era não deixarem o parto normal fluir naturalmente, não durar o tempo que precisaria, aplicarem medicação para acelerar o processo, e ficarem incentivando a cesárea.
Meu maior medo era o risco de o Mateus ser contaminado.
No hospital, ele estaria muito mais vulnerável a isso pela quantidade de profissionais com os quais teria contato durante e no pós-parto. Ele seria manipulado por muitas pessoas: obstetra, enfermeiras, técnicas de enfermagem, pediatras.
Ao analisar todas essas questões, eu e o meu marido repensamos o parto hospitalar e decidimos fazer o parto domiciliar, que se encaixava perfeitamente nas nossas necessidades, além de nos dar muito mais segurança.
No dia 6 de abril, comecei a ter as contrações espaçadas e um pouco de sangramento de manhã. Passei o dia descansando, fiz as unhas, exercícios na bola de pilates. No final da tarde, uma enfermeira veio me examinar, já estava com seis dedos de dilatação.
A casa já estava preparada para quando o Mateus quisesse nascer. Meu marido baixou a iluminação para deixar o ambiente mais calmo, colocou a playlist que eu tinha escolhido. Meus pais já estavam presentes. Eu tinha conversado com minha filha dizendo que ela ia ver a mágica da vida, que ela ia ver o irmãozinho dela nascer.
Quando eu sentia dor, ela colocava a mão na minha barriga e dizia 'nenê'.
À noite, as contrações ficaram mais fortes e ritmadas. Eu chamei minha equipe, a Karina Trevisan, a Thais Bernardo e a Graciele Basile. Quando elas chegaram, tomei um banho quente demorado. Durante o processo, fiz exercícios de spinning baby, elas utilizaram homeopatia, óleos, fizeram massagem nas minhas costas e na minha barriga.

Mateus nasceu no nosso canto de amor, com minha família presente

Cheguei aos 10 dedos de dilatação na madrugada, foram 12 horas de trabalho de parto. Quando senti que o Mateus ia nascer, sentei na banqueta de parto e as enfermeiras colocaram o espelho para eu ver. A cada força que eu fazia, eu conseguia ver a cabecinha do meu filho. Ao nascer, ele veio direto para o meu colo.
Nós deitamos na cama, e esperei a placenta sair naturalmente. Meu marido cortou o cordão umbilical.
O Mateus nasceu no dia 7 de abril de 2020, às 8h17. A Malu estava no colo da minha mãe, do meu lado. Ela apontou para o irmão com uma carinha de surpresa. Foi lindo e incrível ter tido meu filho em casa, no nosso lar, no nosso canto de amor, junto com a minha família e com pessoas em quem confiava e que eu queria que estivessem ali.
Me senti muito aliviada e mais tranquila de saber que ele nasceu em um local menos vulnerável a contaminação do coronavírus.
Depois do nascimento, uma das enfermeiras o examinou e já me entregou. Depois, elas limparam as sujeiras do parto, minha mãe deu mais uma reforçada na limpeza e todos foram embora.
Ficou um clima de paz em casa. O Mateus tem pouco mais de uma semana de vida e é um bebê muito calmo. Ele tem tudo a ver com o tipo de parto que eu tive, sem pressa, no nosso tempo, com uma energia boa.
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Arquivo pessoal
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Meu marido voltou a trabalhar após a licença-paternidade. Ainda tenho muito medo dele ser infectado. Por isso, redobramos os cuidados com higienização.
Ele toma banho no próprio hospital e o uniforme fica no trabalho. Ele usa máscara o tempo todo em casa e só pega o Mateus no colo quando eu preciso fazer alguma coisa. Fizemos uma divisão, eu fico com o bebê e ele fica com a Malu.

Quero que essa pandemia acabe para termos a liberdade de ir e vir

É muito delicado ter um filho em meio a essa pandemia, os cuidados precisam ser redobrados. Eu saí uma única vez com ele para levá-lo na APAE para fazer o teste do pezinho. No final do mês ele vai tomar as vacinas. Não tenho recebido visitas, mostrei o Mateus a alguns amigos e familiares por meio de fotos e videoconferências.
Quero que tudo isso acabe logo para que possamos voltar às nossas rotinas, a ter a liberdade de ir e vir, a ter momentos de lazer em família.
Sei que meu filho chegou na hora que Deus permitiu, mas quero poder sair com ele sem sentir medo. Acho que ainda vai demorar alguns meses para a vida voltar ao normal, mas quando isso acontecer, viveremos mais intensamente e daremos mais valor às pequenas coisas".

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